Sonho. Arrumo a mala e sonho.
Fujo. Abro a concha e fujo.
Sinto. Descubro o mundo e sinto.
Cheiro. Fecho os olhos e cheiro.
Corro. Penso no regresso e corro.
Volto. Toco na terra e volto.
Mudo. Porque fui, mudo.
Escrevo. Para nunca deixar de ir, escrevo!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"Negócio Molhado"

História de uma venda na margem do Nilo


“Siñora, Siñora, una mantilla … 5 euro!”

Estava eu como lagartixa, relaxada ao Sol do Egipto, bebendo um adocicado sumo de laranja, e redigindo todas as peripécias de umas maravilhosas férias, quando toda a minha trupe de viagem se dirige atabalhoadamente para a proa. Numa curiosidade emergente de saber qual era a agitação sonora que nos chegava ao terraço, todos interromperam as suas sessões de solário “au naturel” e correram a ver o que se passava na margem do Nilo. Sigo-lhes o exemplo. Espantada com a imagem com que me deparei, agradeci ao Sol por me ter convidado a levar a máquina fotográfica para o terraço.

Um homem moreno, com entradas maiores que a sua idade real, escondia-se por detrás de um grande pedaço de tecido estampado em homenagem à grande rainha Cleópatra (Foto nº1). Não compreendi o que fazia, expondo aquele pano colorido aos turistas que se banhavam nas piscinas dos grandiosos navios. Também não percebi se aquele pano era um pareo, uma toalha de praia ou simplesmente uma tela decorativa. Aliás, não percebi nada até ouvir o seu “pregão à maneira do Bulhão”: “Siñora, Siñora, una mantilla … 5 euro!”. Um vendedor!

Dois vendedores, três vendedores … um mercado de vendedores ambulantes a formar-se em velocidade de cruzeiro (Fotos nº2 e 3). Todos caminharam lado a lado connosco (Foto nº4) , juntando-se num pontão que anuncia a chegada à esclusa de Esna, e entoando cânticos de venda em espanhol, inglês, “portunhol” e “espanglês” (Foto nº5).

Ainda eu mal tinha formulado a interrogação relativa ao modo como estas vendas se poderiam concretizar, quando tive de me desviar de um rolo das ditas mantillas, arremeçado ferozmente e com muita perícia para o terraço do navio (Foto nº6). “Wooow! Ahhh! Ohhh!” Portugueses, espanhóis, japoneses e alemães, todos exclamaram em simultâneo a sua surpresa por tão original mercado ambulante. Os gritos morenos ouviam-se lá fora (Foto nº7), enquanto a multiculturalidade embarcada se juntava a conjecturar quanto ao risco que estes vendedores correm de perder as suas mercadorias. Todos pensámos que devem existir muitos turistas a aceitar estes arremessos como oferendas. E até cheguei a pensar que se algum insistisse em acertar-me na cabeça, daria o impulso para uma sinapse que determinaria qual a recordação a oferecer à Tia Maria. Ainda estávamos distraídos nestes pensamentos e na observação das coloridas toalhas de mesa, quando um Indiana Jones espanhol observa: “Vamos, vamos, dale la mantilla … El tiene una arma!” (Foto nº8). Não creio que seja habitual disparar balas assim como atiram toalhas, mas … nunca fiando. Precavendo-me, nem toco mais em nenhuma mercadoria voadora. Observo, fotografo, delicio-me!

Chegada a vez do nosso navio entrar na esclusa, os vendedores apressam os turistas indecisos (Foto nº9). Dá-se então início ao despique de regateio que faz parte de todo o comércio egípcio, seja ele terrestre, aquático, ou mesmo voador. Os 5 euros iniciais são contestados até à exaustão e em todas as línguas. Os vendedores vão cedendo a pouco e pouco, mas o navio já lhes foge. Já há muito que os preços se equiparam ao de uma “bica” na capital, mas os turistas ainda regateiam. Que exagero! Será que não percebem que é a extrema pobreza deste povo que leva as crianças a estender a mão à Europa e pedir “un euro, siñora!”? (Foto nº10) Pego numa nota de 5 euros e coloco-a no saco que os demais turistas conscientes utilizaram para recompensar atiradores de mercadoria têxtil. Não quero uma mantilla ! Quero apenas registar este momento, imortalizá-lo em megapixéis, e nunca me esquecer que sou rica, mesmo quando me sentir pobre. E que bonito seria se todos tivéssemos registado este momento com os mesmos metadados … Enfim, mas uma madura senhora continuava a exigir “rebajas” que não condiziam com o ouro que carregava, e um dos vendedores ganha toda a razão para o “Catalana tacaña!” (Fotos nº 11 e 12) que lhe arremessa em troca. Felizmente, um homem igualmente maduro, rouba-lhe a palavra e o lugar, e dá o seu melhor no lançamento de notas. Era o marido da senhora! Estava deliciada com toda esta acção em tão poucos minutos. Pena, que a idade avançada do senhor já não o deixasse ter pontaria egípcia, pois o saco das notas caiu na água (Foto nº13).

Entrávamos já na esclusa, quase perdíamos de vista os vendedores, quase dava como afundada a boa vontade de tantos turistas … mas ainda consegui ver despido de pudor e de rancor, o vendedor acenar a agradecer e atirar-se do alto do pontão em busca de gratidão (Fotos nº 14 e 15). Conseguiu! (Foto nº 16)

Negócio fechado! Negócio Molhado! 






















3 comentários:

  1. adorei....simplesmente adorei...estou a tentar vencer a preguiça e voltar a escrever....mas sem duvida que as aulas ajudam...

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  2. Boa história Luisinha! :) Eu ando a tentar arranjar um tema para um novo blog. Sim, as aulas ajudam, e muito... :)

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  3. Muito bom, priminha!
    Passei por cá para ver se já existia vestígios da Índia. ;-)

    Beijo!

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